terça-feira, 3 de março de 2009

perdão inacabado


Rachel é a mulher perfeita prestes a realizar um sonho e a lavar a alma de uma família rachada e em reconstrução. Está grávida, ama e é amada, e vive o melhor momento da carreira. Lotou a casa de amigos para sua festa de casamento alternativa; apaixonou-se por um músico havaiano, adorado pelos amigos e orgulho dos pais e da irmã, e é recebida de braços abertos pela nova família. Faz tudo certo, e por isso faz com que tudo saia como o planejado, assim como fez durante toda a vida. Mas é Kim, a irmã rebelde viciada em drogas e pivô do racha familiar, interpretada Anne Hathaway, quem toma as atenções em "O Casamento de Rachel".


Curiosamente, é exatamente o fato de estar à margem em uma festa que não foi feita por ela, para ela e sobre ela, que a desola durante o filme.


A irmã, perfeita, é o centro das atenções, o alvo de discursos e músicas feitas pelos amigos em uma homenagem graciosa, que parece não ter fim. A cada brinde, uma dor exposta à irmã, que recebe uma espécie de licença na clínica de reabilitação para acompanhar a festa. A ela cabe apenas observar, como coadjuvante, a consagração de alguém que fez tudo certo toda a vida.


As nuances, as competições e provocações, as rebeldias no comportamento de alguém que parece disposta a deixar uma vida de desleixos e dor, são ingredientes que fazem deste filme de Jonathan Demme uma das melhores opções em cartaz hoje em São Paulo. Mas são apenas o pano de fundo de algo que se revela por meio de uma busca que se expõe, e se sobrepõe, sobre qualquer mentira sobre perdões, felicidades e planos futuros; o trauma é a base de uma família que se salvou da destruição, mas não das mudanças; e faz com que a tragédia se instale na eternidade.


Quando jovem e viciada, Kim foi incumbida de passar uma tarde com o irmão caçula, Ethan. Sob efeito de drogas, envolve-se em um acidente de carro, que vai parar em um lago profundo sob uma ponte, de onde não consegue soltá-lo; preso ao cinto de segurança, Ethan não sobrevive.


Não estará vivo na festa do casamento da irmã mais velha.


A morte do filho mais jovem parece um fantasma a penar pela casa; com ele, a certaza de que o perdão pode ser anunciado e até jurado, mas nunca aceito. Vai ser revisto toda a vida, e toda vez que aparece pode causar novas fissuras.


A mais dolorosa delas é quando a mãe das meninas se demora em um abraço longo na filha que é noiva e é, ela toda, vida, enquanto Kim, bem ao lado daquela consagração, recebe apenas um beijo na face, rápido e custoso, de quem não a suporta. Essa certeza, e a sensação de não ser suportada em um ambiente confrontado com o passado mesmo nos momentos mais alegres, são a sina de quem queria mergulhar numa experiência de sabores e sensações, como qualquer jovem, mas na vida recebeu apenas a missão de ser estorvo.

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