sábado, 14 de fevereiro de 2009

...ou NDA?



Pena. Poucos filmes que assisti frustraram tanto minhas expectativas como
“Slumdog Millionaire”, já cultuado longa de Danny Boyle e, como dizem, favoritíssimo para levar o Oscar.
Não que seja ruim. Mas fui a ele numa sexta à noite, quase madruguenta, após baixar o arquivo no computador – o filme só chega no Brasil depois da premiação – como se fosse ao encontro de algo que mudaria para sempre minhas concepções mais arraigadas...Deveria ter juntado uma graninha a mais e viajado para o Taj Mahal para isso, como fez minha amiga Roberta Tasselli.
O filme, traduzido no Brasil como “Quem Quer Ser um Milionário?” conta a história de Jamal Malik, garoto indiano que participa de uma espécie de “Show de Milhão” de seu país. Tirem o Silvio Santos do palco e coloquem o menino diante de um cover do Afanasio Jazadji, cover de deputado e radialista paulista, que só ri e zoa os cara quando alguma câmera é ligada. Fora de lá, é um calhorda, arrogante, disposto a espetar o convidado cada vez que lembra que o menino nasceu na favela e hoje não passa de um assistente de telemarketing. Isso já é metade do filme.
Repito: pena. Porque a proposta, mal executada, parece ser genial: mostrar como um menino pobre, órfão desde cedo, perdido no emaranhado das ruas e entulhos das favelas da gigante Mumbai (antiga Bombaim e futura maior cidade do planeta), consegue ter todas as respostas para todas as alternativas que lhe são dirigidas ao longo do filme, tanto pelo apresentador do programa como pelos personagens às sua caça pelas ruas. Como se os caminhos não tivessem uma resposta certa, mas quatro alternativas erradas, das quais nos livramos ao nos desviar delas pela lógica ou por eliminação.
O que conduz Jamal, parece dizer o diretor, não é o que o programa oferece. Ele parece saber da espetacularização da miséria ou do desafio que supostamente propõem seus idealizadores na TV _dar uma chance a um jovem condenado às mazelas da pobreza a oportunidade de ficar rico e se tornar, enfim, gente. Algo bem parecido com o que vemos com as casas, carros e reformas oferecidos para quem se dispõe a se rebolar pelado em cima de um tambor de óleo para elevar o traço de audiência em programas de auditório por essas paragens.
O que conduz Jamal e o ensina não é o preparo para o desafio na TV, mas a própria rua, a vivência, que se apresenta e o leva a emitir as respostas certas. Jamal parece saber que dar a alternativa correta diante das perguntas que podem mudar o rumo de nossas vidas não é questão de estudo, preparo, raciocínio nem exclusão; para Jamal basta recorrer à memória. Ele não tem, como se verá, as respostas de todas as perguntas, mas apenas para as perguntas que lhe são apresentadas. É o que precisa saber. Porque as perguntas, lançadas a ele como bombardeios, já foram respondidas, e foram os próprios desafios de sua juventude esmagada, fugitiva, sobretudo de desencontros e trapaças, que o faz responder qual é o nome do presidente impresso na nota de cem dólares ou o lema na bandeira indiana.
Ao fundo, Boyle parece dizer: malandro que é malandro não sabe a resposta, mas desvia de erros e não se deixa enganar nem confiar. Nem mesmo no próprio irmão.
No país das crenças, em mitos, deuses e agora nos homens que conduzem um país em expansão econômica, é o pé atrás, não a fé, que orienta cada passo do desafiado. É o que Jamal parece levar em conta, no momento mais instigante do filme, quando o próprio apresentador – o Jazadji cover – se mostra confiável para lhe empregar a peça – uma das tantas que o rapaz aprendeu a driblar desde cedo.
Curiosamente, são as respostas, e não as perguntas, que levam Jamal a ter de responder, por sua vez, por seus atos, numa delegacia, para esclarecer aquele dom, visto, não pelos milhões de expectadores que nele veem a salvação, mas pelos próprios produtores daquela farsa na TV, como uma fraude. Portanto, caso de polícia. Talvez uma crítica indireta desenhada pelo diretor para mostrar o quanto aquela Índia, que produz e cria as suas crianças em condições subumanas de desenvolvimento, parece, ela mesma, desacreditar que daquele meio seja possível emergir algo limpo e esclarecedor.
As respostas sobre as respostas, ditas por meio de um interrogatório na delegacia antes mesmo do desafio final, é o que liga o filme à infância de Jamal. Bem como Sherazade, o autor das histórias – dessa vez reais – garante não novas 1.001 noites de vida, mas o crédito da plausividade. A plausividade do absurdo, que começa ao nascer, ao crescer e ao ser desafiado com questões em um mundo povoado de trapaças, como os milhões oferecidos naquele show como numa alegoria.
Mas não são os milhões de rúpias que levam Jamal ao programa. O que o leva até ali é a única coisa que parece ter sentido para ele, e que é capaz de tirá-lo do sério toda vez que lhe é tomada das mãos: o coração. Aargh...Dá revertério só de escrever isso.
Pois é aí que o filme perde a mão: ao colocar como pano de fundo uma história de amor desencontrada, Boyle parece disposto a encenar um conto de fadas, capaz de fazer refletir, mas também de agradar ao público, todos os públicos, exatamente como o fazem os shows de auditório que tão bem conhecemos.
Sem contar as músicas, péssimas, que tocam do nada a cada cinco minutos, toda vez que os atores se pegam a correr – sim, outra baixa do longa: todo mundo corre de tudo e de todos, menos de seus estereótipos.
Não fosse essa solução dada aos questionamentos que o filme se propõe, o longa fatalmente entraria no topo da minha preferência para a premiação de logo mais. Mas, pela confusão e pelo clichê, pelo sentimentalismo ingênuo e esperançoso, fica guardado como decepção. Mantenho meu voto em “Milk”.
Parêntesis. Uma coisa deve ser dita. A atuação dos moleques indianos, em um cenário indiano, no meio de uma produção como cara, sotaque e natureza britânica, é imperdível. De se tirar o chapéu.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu pegaria a Latika, fácil!!!

Cris disse...

Ainda não fui assistir à pré-estréia no cinema e não vejo filme no computador nem recebendo por isso.

Mas já tenho certeza de que minhas expectativas vão se frustrar, tamanho o exagero que girou em torno desse filme. Premiadíssimo no Oscar, afinal.

Só pediria duas coisas, para não me frustrar demais: que não caia no piegas. Nem no estereótipo.

Já estaria de bom tamanho...

Anônimo disse...

Vi o filme hoje. Achei um enredo ruim em uma produção tecnicamente muito bem feita. Lembra Titanic e os livros do Camilo Castelo Branco - ou seja, não gostei.
Concordo quando você diz que os atores são realmente muito bons.

Cris disse...

Caiu no piegas e no estereótipo.
Completando, portanto, comentário que deixei há um mês e meio: não gostei do filme. o classificaria como "bonzinho", no máximo.

O que menos gostei: o excesso de previsibilidade. Vai ser previsível assim lá na PQP. Desanimador.

Enfim, foi boa sua crítica, Mathews.