quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

54 horas de vida


Ganhei uma bolsa para estudar inglês num esquema de superintensivo, desses que começam às 7h e vão até as 10h, de todas as manhãs, de todos os dias, exceto fim de semana, até o final de janeiro. Cruel. Pago hoje o preço por ter desdenhado os cursos de inglês que havia na minha cidade, quando minha cabeça era nova, aberta e arejada, e a chance de algo cair nela e ser fixada era 98% maior do que hoje em dia, quando ela já está entupida de bobagens. Seja como for, já botei na cabeça, e não é de hoje, que não vou fazer, agora aos 26, corpo mole pra aprender algo que já deveria saber de cor e salteado. E a chance me foi dada só agora, então é pegar e não largar. Tenho até melhorado na hora de ler, falar – ok, escrever nem tanto – mas para tentar acelerar o ritmo e chegar, pelo menos até o fim do ano, com o basicão morto e enterrado, resolvi aproveitar a bolsa e encarar a parada. Que deveria começar hoje. Como não sou daqueles que já despertam e caem de pé dentro da calça, resolvi pôr o relógio pra despertar às 6h. Pra dar tempo de fazer meu próprio café, correr a casa, ler alguma coisa enquanto acordo, tomar banho, escovar os dentes. Tudo num ritmo que...bem. Basta dizer que consegui chegar à aula às 7h30, vinte minutos atrasado. Nesse meio tempo, só conseguia elaborar uma única frase em meu inconsciente: “E pensar que essa porra agora vai ser todo dia”.
Fiz as contas, refiz, tirei a prova dos nove, desconsiderei finais de semana, pensei em quando seria o próximo feriado. Tudo pra botar na cabeça que poderia haver refresco em meio a um troço que ameaçava ser um percalço já em sua definição. Não consegui fechar as contas, e no caminho só conseguia pensar em como era minha vida até então, e o que eu trocaria por mais 20 minutos de sono, uma caminhada pelas ruas de manhã, uma horinha a mais para assistir qualquer coisa na TV, ler qualquer rabisco no jornal... Qualquer coisa que não me colocasse, tanto tempo, numa sala fechada. E como meu nariz de cera desenhado acima já deu o que tem que dar, devo dizer, então, que mal contive o sorriso quando, despenteado, sonâmbulo e com olheiras, soube que não estava matriculado para aquele curso. A secretária da escola me avisou assim, já com pena da minha insistência, que não haviam conseguido fechar a turma para o curso da manhã. Só às 18h – horário inviável pra mim. Não sei o que aconteceu na hora da matrícula, mas posso imaginar o que me levou a chegar em casa, meia hora depois, sorrindo, cheio de piadas pra contar, num bom humor que não via em mim desde a Copa de 94, quando o Baggio perdeu aquele pênalti. Me sentia como se acabasse de sair do médico com a notícia de que ganhara mais 54 horas de vida. Ou de sobrevida. Não é sempre que se ganha tanto com tão pouco, e minha vida não anda valendo mais que um relógio de pulso. Em 54 horas poderia ir e voltar seis vezes para Araraquara. Ou poderia assistir a 27 jogos do Palmeiras, sem precisar sair de frente pra TV, e já com o tempo para os comerciais descontados – praticamente metade de uma temporada, mais do que todos os minutos somados em que o Pedrinho, do Vasco, conseguiu ficar em campo em toda carreira. Ou, já abusando da boa vontade, poderia também ver 324 vezes meu vídeo favorito no YouTube, que soma exatos dez minutos, antes de morrer.
Bobagem, eu sei, mas se minha capacidade de fazer conta não estiver tão defasada quanto meu talento pra traduzir Philip Roth para o português, foram as únicas bobagens que, já sóbrio e já conformado com minha sobrevida, consegui pensar. É que na hora não consegui unir matemática com o impulso provocado pela notícia, então não foi difícil imaginar que nesse tempo eu poderia viajar para a Amazônia, pescar com meu avô, me preparar para a São Silvestre ou escrever o livro definitivo sobre a humanidade – tudo isso antes do meu horário de trabalho. Ok, talvez não vá e volte da Amazônia assim numa manhã, mas pelo menos agora tenho algumas horas a mais de sono para pensar em algo melhor pra se fazer até o momento de acordar. Até lá, vou ter que me matricular no mesmo nível, do mesmo curso, da mesma escola, agora no semestral. Mas aí minha morte vai ser, assim, à vista, mas em parcelas e sem juros a pagar.

Um comentário:

Unknown disse...

É meu amigo, estudar inglês não é fácil, e entendo sua satisfação, mas infelizmente no mundo de hj é necessário saber falar outra lingua.... por tanto se tiver a oportunidade novamente, faça! mas nao vai nesses curssos fast-food (sei apenas o basicão de inglês), vc só gasta o dinheiro e nao ganha conteudo.... não sou a favor de sua atitude, mas sou solidário á causa.....