quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

de como não me tornei araponga da Abin


O sujeito parecia mais simpático do que de costume, e, assim que me aproximei, me chamou para uma conversa, num tom de assunto reservado. Alto, calvo e sempre suado num paletó em que é obrigado a se enfiar para trabalhar, no restaurante onde almoço todos os dias, o gerente esperou que eu colocasse a sobremesa do dia sobre uma balança viciada para poder tocar no assunto. Levei pouco tempo para escolher os doces – um pedaço de mamão e outro de abacaxi, colocados ao lado de um pedaço modesto de torta de menta coberta com chocolate. O prato ficou um tempo suspenso sobre a balança, que acusou R$ 3,50 – sim, onde almoço a sobremesa também é pesada; logo uma fila atrás de mim começou a se formar, e a extensão daquela conversa passou a me incomodar.
-Você conhece uma menina assim e assim, que sempre almoça aqui?
Demorei a descobrir de quem se tratava. Por que haveria de conhecer?
-Ela trabalha no mesmo prédio que você. Usa óculos de aro preto.
Sim, sabia de quem se tratava e disse que conhecia a menina já há algum tempo. Não contive e, ao dar a informação, perguntei:
-Por quê?
Ele não alterou o tom de voz, e não mostrou qualquer constrangimento para arrematar.
-É que estou querendo...sabe...flertar com ela.
Achei graça na formalidade da expressão, e também com o fato de ele ter procurado a mim para obter informações sobre a menina. Queria imitar a saída de um personagem de um antigo sitcom americano e dizer: “Olha, você poderia aproveitar, chegar nela, e convidá-la para um chá ou um passeio no século 16, quando as pessoas ainda usavam a palavra flertar”.
Mas devo ter inspirado confiança, pensei comigo, e resolvi devolver a confiança, crente de que poderia fazer um bom papel para a humanidade. Resolvi não guardar qualquer segredo que já não soubesse da menina, enquanto a fila do doce se avolumava às nossas costas, e meu prato seguia suspenso na balança, anunciando o fiado de R$ 3,50. Disse que até pouco tempo ela namorava um sujeito bastante gente boa, mas que o relacionamento não fora pra frente; disse também que ela não era de São Paulo, que era uma pessoa bastante agradável, de fácil conversa – rasguei, enfim, elogios à menina, pouco antes de ela aparecer no restaurante.
Vi os olhos do gerente brilharem, e tive a impressão de que ele deixara de ouvir meu relato assim que a viu se aproximar. Foi quando ele tirou meu prato da balança, e colocou as mãos nos meus ombros, suspirando um longo obrigado, como quem acaba de receber, de graça, as combinações da quina da semana.
Na hora de marcar o preço a ser pago da sobremesa, riscou o valor exato e marcou apenas R$ 1,00. Não foi por acaso, dado que olhou ainda para mim com um jeito de quem declara: “essa é na minha conta”.
Irritado, saí do restaurante com esperanças reduzidas de que um dia poderia me dar bem na profissão de informante, araponga ou jornalista. Não cairia bem descobrir, já com um diploma e uma suposta credibilidade em mãos, que uma informação minha não anda valendo mais que R$ 2,50.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ainda acho que você deveria ter jogado uma conversinha e ter comido o cara. Puta bichona!