domingo, 4 de janeiro de 2009

when you were young...


Não é uma boa idéia tomar café num sábado sem muito o que se fazer em São Paulo. Esse “sem muito o que se fazer” coloque-se entre aspas; talvez a expressão certa seja sem muito animo para se fazer tudo o que se tem pra fazer num sábado chocho na cidade. É que alguma coisa está errada quando você vai até o cinema pra tomar café, e só tomar café (minha namorada não animou de assistir ao “Gomorra”, de Matteo Garrone, único filme disponível àquela hora do dia, e voltamos para casa). Às 22h, por conta do café, não tinha santo que nos fizesse pegar no sono, então aproveitamos que meu irmão anda gravando em DVD a torto e a direito tudo o consegue baixar no computador, e fomos ver o “Reflexos da Inocência”, produção britânica do diretor Baillie Walsh que já havia assistido no cinema. Filme nota 7,5, no máximo, e com a tradução do título original (“Flashback of a Foll”) que, em português, dá a entender que estamos diante de um título tipo "Brasileirinhas" em cujo enredo alguém perdeu a virgindade precocemente, conforme comentou o amigo Fernando Vives. Poderia, depois dessa, nunca mais querer saber do filme; mas algo ali me fez parar e pensar e rever muitas das coisas com as quais me deparei em tempos recentes. Perguntas do tipo: quem era eu antes de decidir ser quem eu sou? Em que momento tomei o caminho certo ou errado? O que me levou a isso? Foi algo provocado? Se sim, por mim ou por imposição? Foi acidente? O que eu disse na hora errada? O que deixei de dizer? É possível consertar? É possível refazer o caminho? Se houve erro, é justo o preço a ser pago? Afinal, há preço a ser pago? Já disse que o filme é nota 7,5 (muito por conta de um certo moralismo que deixa escapar), mas se despertou em algum momento alguma dessas perguntas, sem dar como alternativas as respostas A, B, C, D ou NDA, é porque algo havia em comum entre a vida deste espectador e a do menino que desde cedo é colocado diante de escolhas que mudarão não só a sua mas a vida de todos à sua volta. O caminho é um só, mas os desvios (representados pela vizinha casada e ninfomaníaca que o tirava da trilha certa do que – ooooh pieguice safada – o coração parecia ditar) podem levá-lo a um destino sem volta. Uma tragédia durante uma dessas entregas faz com que aquele menino quase bobo, inocente e assustado com as ofertas do mundo real se transformasse no tolo de fato, ególatra, viciado e solitário, embora bem sucedido (e em decadência) ator de Hollywood (clichezão-ponto-baixo-do-filme). Mas ao menos uma cena (http://www.youtube.com/watch?v=ZBZBP2cl2zM), quando a linda personagem de Felicity Jones finalmente convida o jovem Joe para passar uma noita em sua casa, para se vestirem como seus ídolos, beberem, cantarem e dançarem longe dos olhares inquisidores dos pais, já nasce clássica, assim como a parte final, quando a história se cruza e volta a um entroncamento que leva cada qual a ocupar os espaços que foram tomados nos últimos 25 anos. E a revisar cada passo em seu devido lugar.
É essa coisa adolescente, das descobertas, da infração das regras, do esperar a viagem dos pais e a casa vazia; de penetrar as áreas não permitidas da casa, de ouvir os sons que nos carregam para a transgressão (neste caso, Bowie e Roxy Music), de assumir posturas por si; de se fantasiar e fechar os olhos e fingir transgressões maiores, ainda que fora do alcance; é essa coisa adolescente, bem contada, que faz do filme inesquecível, apesar dos 7,5 dados ao léu pela irregularidade. A música-tema – “If There is Something”, de Roxy Music – tem boa parte nessa cota, porque não poderia haver outra melhor para impulsionar tudo isso que um dia se tentou transmitir. Lift up your feet and put them on the ground/ You used to walk upon (when you were young)… É a mesma sensação de que essa inocência, uma vez quebrada, nunca mais voltará ao lugar; no lugar dela, só a lembrança e o peso que sua dimensão impõe ao longo dos anos. E a certeza de que nada mais está ao alcance das mãos, quando vista desse ângulo. Essa nostalgia, depois da morte, é a mais triste das saudades.

3 comentários:

Edson disse...

lindo o final do texto.

F. Vives disse...

Final do texto sensacional mesmo.
Eu gostei menos do filme, levando-se em conta que o Daniel Craig me incomoda pacas, mas o sentido dele você captou bem mais que eu. E, embora tenha gostado menos, é um filme que fica na cabeça justamente pelas coisas que você enumerou. Esse video tá adicionado aos meus vídeos favoritos do Orcutis.
Abração, rapaz.

Anônimo disse...

Lindo. esse filme me tocou por causa da musica
me fez pensar na juventude, e me deu vontade de viver!