terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ainda Legião


Chegava às 13h, o jogo era às 14h, jogava até às 19h e reclamava quando alguém vinha fechar as portas da quadra. Os meninos despiam-se da timidez e chamavam as meninas pra dançar. Sair com os pais, jantar fora, era motivo de vexame; ninguém queria a fama de filhinho. O negócio era varar a noite. Ir para o Clube 22, à noite. Mostrar que era maior de 14. Vestir camisa social, deixar abertos os dois últimos botões da camisa. Usar gel. Engraxar os sapatos. Segurar copo de guaraná, fingindo ser vodka (exatamente como nossos pais). Fumar sem tragar – deixar bem alto o cigarro; que nos vissem. Dormir na casa de amigos quando os pais viajavam. Pedir para que não cantassem parabéns no dia do nosso aniversário. Ter vergonha das preocupações da avó. Fazer cara feia diante dos amigos dos pais. De dia, andar de skate. Botar calça big, boné pra trás. Falar das meninas, contar as vitórias; esconder derrapadas. Fazer vista grossa à escola, desdenhar livros, bater na cabeça de quem não agia. Fazer piadas, falar alto, teimar. Ser mandado pra fora. Tomar suspensão. Mascar chicletes ouvindo mágoas, revoltas, cobranças. Ter medo de gente mais velha. Fazer sofrer os mais novos. Fitar saias. Fazer pose em frente à Uniara. Beijar com força, de língua. Descer a mão. Espetar a franja. Cuspir no chão. Comemorar os gols como Ronaldinho, hoje Ronaldo, depois Fenômeno. Ver na tv os gols do Müller, Djalminha, Rivaldo, Luizão. Detestar o Grêmio mais até que SP e Corinthians. Ler Playboy em público. Ouvir "Pais e Filhos", verso-chavão-piegas. Não importava. Àquela altura, não podíamos distinguir o que eram insights e o que eram clichês. Tentar entender o que se assemelhava ao belo e humano penetrando sensações com facilidade até então desconhecida. Descobríamo-nos, ao final das festas de quintais, dando as mãos e exaltando fortemente as letras do refrão. “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”.
Quem cantava? Quem liderava? Quem assumia posturas sobre o que fazer, falar, pensar? Quem mostraria os inimigos embernados na nossa ignorância? Quais os fios-condutores de nossas revoltas? Quem era o valente herói-santo-porque-sabia-morrer? Quem iria mudar o planeta durante festas no quintal de casa que murchavam, entre meninas que cresceran mulheres e preferiram seguir sorrindo? Qual o bonde da transposição para aquela tarde, aquele fim de tarde? Quem, afinal, roubou aquela coragem?

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