sábado, 6 de dezembro de 2008

e sua mãe também


Faz um sol sacana lá fora, mas dele só sei por ouvi dizer. Nos encontramos, de esbarrão, a caminho da aula e, depois, em direção ao plantão. Estava em algum lugar acima do teto do ponto de um ônibus que me custou 30 minutos a menos de vida. É sábado, e como todo sábado há muito que se fazer em qualquer lugar do mundo que não seja onde estou. E é final de ano também. Todo mundo falando sobre viagens, bagagens, paisagens, encontros, reencontros, desencontros e descansos...E o que me ocupa mesmo é saber o que vou fazer, daqui a 15 dias, quando puder ver o sol mais de perto. Vem na cabeça aquele filme mexicano, “E Sua Mãe Também”, de Alfonso Cuarón. Filmaço, de 2001, que descobri há pouco, sobre humores adolescentes em dias de sol radiante. Se alguém não viu, vai o resumo, mal e porcamente resumindo: dois moleques mal saídos da adolescência, hormônios à flor da pele, rasgam os dias pensando no que vão fazer durante o verão, na Cidade do México, depois que as namoradas viajam para um intercâmbio na Itália. Não demoram e se metem numa encrenca, após, numa festa em dia de sol e calor, convidarem a espanhola Luisa (Meribel Verdú), mulherão e esposa do primo de Tenoch (Diego Luna), que acabam de conhecer, para uma viagem a um lugar imaginário, de nome “Boca do Céu”. Não que para uma mulher deva ser fácil recusar o convite de um Gael García Bernal, ainda menino no papel de Julio, para a praia; mas o que a leva à viagem para um lugar que ninguém sabe onde fica é guardado só para o fim. Até segunda ordem, ela é impulsionada pela revelação de que o marido, o protótipo do bom moço careta e escritor bem sucedido, anda aprontando com cada par de pernas que corta sua frente. Pernas que não são as dela, diga-se.
O caldo está formado. Uma mulher de certa idade, linda como aquele sol, excitada pela idéia de cruzar um país desconhecido, de carro, com dois meninos capazes de engolirem terra só para ver de perto uma cruzada de pernas sua; e disposta a mergulhar na experiência mais libertária contida na bagagem de onde não faltam drogas, bebidas, cigarro e putaria. A partir daí não conto mais. A idéia de montar um road movie e fazer com que personagens e público se descubram enquanto percorrem lugares desconhecidos, sem um rumo definido, pode não ser nova – exceto o tempero ali, uma cena picante lá (mais instigantes que qualquer filme pornô) e a idéia de que liberdade, quando alcançada, cobra seu preço, o preço da descoberta; e a descoberta, antes do que se deparar com algo novo, é dar de cara com algo que já foi feito e não nos foi contado. Descobertas que não passam imunes na vida dos três, e arrebentam com força qualquer história de fidelidades e princípios construídos até ali. O filme é, antes de qualquer coisa, a história do que se esfacela entre tabus que caem, um por um, até minarem uma amizade, consumida pela revelação do velho, do que foi feito à revelia; e quanto mais tempo junto, mais próximo, mais cru, maior a sujeição às descobertas; mais perigo pela frente.
Hoje é sábado, faz sol e o calor deve estar, uma hora dessas, rachando histórias em praias imaginárias para onde dirijo meu pensamento desde muito cedo. Ser livre deve ser algo como a história daqueles moleques: correr por aí, sem plano ou reticências; só armado de inconseqüência e (más) intenções. Escrever tudo isso é só uma forma de me consolar: estou trancado, é verdade, mas desse quarto, a quilômetros e quilômetros da praia mais próxima daqui, posso guardar, intactos, meus segredos mais reveláveis ao primeiro sinal de sol...

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